O pintor moçambicano Malangatana morreu aos 74
anos, esta madrugada (5 de Janeiro de 2011), no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos
(Portugal), vítima de doença prolongada, segundo a direcção do hospital.
A Lusofonia fica mais pobre.
Malangatana Valente Ngwenya nasceu a 6 de junho de
1936 em Matalana, uma povoação do distrito de Marracuene, às portas da
então Lourenço Marques, hoje Maputo. Foi pastor, aprendiz de curandeiro
(tinha uma tia curandeira) e mainato (empregado doméstico).
A mãe bordava cabaças e afiava os dentes das jovens locais (uma moda
da altura), o pai era mineiro na África do Sul. Com a mãe doente e um
pai ausente, Malangatana foi viver com o tio paterno e estudou até à
terceira classe. Aos 11 anos começou a trabalhar porque já era “adulto” e
podia fazer tudo, de cuidador de meninos a apanha-bolas no clube de
ténis.
Nos últimos 50 anos foi também muito mais do que pintor. Fez
cerâmica, tapeçaria, gravura e escultura. Fez experiências com areia,
conchas, pedras e raízes. Foi poeta, actor, dançarino, músico,
dinamizador cultural, organizador de festivais, filantropo e até
deputado, da FRELIMO, partido no poder em Moçambique desde a
independência.
Ainda que o seu lado político seja o menos conhecido, Malangatana
chegou a estar preso, pela PIDE, acusado de pertencer à então FRELIMO,
sendo libertado ao fim de 18 meses, por não se provar qualquer vínculo à
resistência colonial.
Na verdade Malangatana viveu parte da sua adolescência junto dos
colonos portugueses, os mesmos que o iniciaram na pintura, primeiro o
artista plástico e biólogo Augusto Cabral (morreu em 2006) e depois o
arquitecto Pancho Guedes.
Augusto Cabral era sócio do Clube de Ténis, onde trabalhava um tio
do pintor. “Um apanha-bolas nas partidas de ténis era um tal Malangatana
Ngwenya (crocodilo), que, no fim de uma tarde de desporto, se acercou
de mim para me pedir se, por acaso, eu não teria em casa um par de
sapatilhas velhas que lhe desse”, contou Augusto Cabral em 1999.
O pintor iria “nascer” nessa noite, quando Malangatana foi a casa de
Augusto Cabral e o viu a pintar um painel. “Ensine-me a pintar”, pediu.
E Augusto Cabral deu-lhe tintas, pincéis e placas de contraplacado.
“Agora pinta”, disse ao jovem, ao que este perguntou: “pinto o quê?”. “O
que está dentro da tua cabeça”, respondeu Augusto Cabral.
O jovem viria a ter também o apoio de outro português, o arquiteto
Pancho Guedes, que lhe disponibilizou um espaço na garagem de sua casa
de Maputo e lhe comprava dois quadros por mês, a preços inflacionados.
Em poucos meses Malangatana quis fazer uma exposição e foi, para espanto
confesso de Augusto Cabral, um enorme sucesso.
Nas pinturas, nessa altura e sempre, Matalana, onde nasceu e cresceu
e onde frequentou a escola da missão suíça de até à segunda classe.
Menino pastor, agricultor, caçador de ratos com azagaia, viria a estudar
só mais um ano. Fica-lhe Matalana no pincel, a opressão colonial, a
guerra civil. A paz reflecte-se numa pintura mais otimista e nos últimos
anos foi um carácter mais sensual que a caracterizou.
E sempre o quotidiano. “Há sempre um manancial de temas a abordar.
São os acontecimentos do mundo, às vezes tristes, outras alegres, e eu
não fico indiferente. Seja em Moçambique, ou noutra parte do mundo, a
dor humana é a mesma", disse numa entrevista à Lusa, ainda recentemente.
Já homem, com a pintura como profissão, confessou ao jornalista
Machado da Graça que sentia grande aproximação com os artistas
portugueses desde os anos 70, quando foi pela primeira a Portugal, como
bolseiro da Gulbenkian.
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