Lusíadas |
Meu nome, Pereira de Araújo, revela: sou de origem lusitana. Essa origem denota uma origem paterna e remota. Existe também uma origem lusitana mais próxima: a de meu avô materno: Antônio dos Santos Godoy (Godelho?). Os lusitanos que partiram e permaneceram lá onde chegaram são tantos que se recomenda ampliar os sentidos de sua índole, revelada pelo verso: "Navegar é preciso. Viver não é preciso". Sim, navegar é preciso e, por sobre isto, existe a atração: a atração do mar, de sua grandeza, de seu estrondo, da maresia, e, - por que não dizer? -, de seus mistérios. Que muitos portugueses permaneceram além mar é um fato. Vou apenas relatar sucintamente curtos episódios de um desses que permaneceram. Se mais conhecesse, mais escreveria. Porque, se há um desafio e um mérito em navegar, há também um mérito, não menor, nem menos desafiante e heróico às vezes, em permanecer. Permanecer foi imperioso para viver, pois, pela saudade, era já morto. De meu avô sei muito pouco: que era muito honesto e trabalhador. Dizer isto de um português é dizer o notório. São traços peculiares da raça. A carências de lembranças é uma de minhas pobrezas, entre outras. Sei mais que foi carroceiro e teve uma carroça: puxada por oito burros! Sei ainda que conheceu um só dos netos. Esse neto o aguardava ansioso à hora do almoço e ao fim do dia, "- Vovô, vovô...", levando-o a carregá-lo nos braços, enquanto em traquinice provecta manejava a animália: - Meu pequerrucho, dizia. Era sua alegria Morreu "Seu Antônio carroceiro" por insuficiência cardíaca, reza o atestado de óbito. Por esforço acima do humano, talvez fosse a indicação mais verídica da "causa mortis". O falecimento ocorreu a 22 de fevereiro de 1 937. Contava 57 anos. O neto estava com dois anos e vinte e dois dias. Esse neto era eu. Deixou isto "Seu Antônio carroceiro": a esposa, oito filhos, um neto, uma pequena chácara (quinta), onde se erguiam duas pequenas casas de madeira. Deixou também plantado um pé de eucalipto, tornado em árvore de porte elevado, para a qual olhei incontáveis vezes durante minha infância passada certo período em pequena cidade de região central do estado (província) de São Paulo. Meu avô é para mim um autêntico Lusíada. Lusíadas Ah! Se Camões voltasse à terra e visse o que brotou em terras de além mar do que plantou a lusa traquinice por arrostar o mar, por navegar... Ah! Se Camões soubesse que o que disse em versos decassílabos sem par ao compasso da métrica a rimar fez se imortal com lírica meiguice talvez se comovesse à forma lusa: com lágrimas, sem meios de as conter E, por honroso, alegra-me dizer: cumpriu-se o que inspirara aos Reis a Musa: "Entre gente remota edificaram novo rumo, que tanto sublimaram". Neste momento em que ao Brasil importa descobrir novos rumos, propósito nunca definitivamente realizado, a Camões e a tantos Lusíadas, sempre paradigmas, minha homenagem. Diógenes Pereira Araújo São Paulo, Brasil. |