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Portugal em Linha - O Ponto de Encontro da Lusofonia

Esta semana...

10.12.2002
Há justiça?
No caso das alegadas violações de crianças no âmbito de uma alegada rede de pedofilia que alegadamente envolvia (envolve?) gente de poder em Portugal parece que afinal a montanha pariu um rato. Se calhar os jornalistas não tinham mais que fazer e resolveram fazer "barulho" com uma questão de somenos que "sempre aconteceu" mas que "eu não sabia de nada". Afinal está tudo bem! Estará? Será uma decmocracia saudável aquela em que o sentimento geral entre toda a gente comum é "neste, como noutros casos, isto vai ficar em águas de bacalhau"?
Fernando Cruz GomesFernando Cruz Gomes

A Justiça não é fiável?

Vamos, então ao nosso Café. Um Café aromático e gostoso, a destoar, como será o caso de hoje, do tema em si. Esse duro, repelente, a funcionar como autor de ódio e de descrença na sociedade. Um Café mesmo assim que era bem capaz de exigir - escrevi mesmo exigir - que outros se manifestassem. Mesmo a destoar da nossa opinião. Seria sinal de que todos nos interessamos pelo assunto.

Vamos, então, ao café!

Um escândalo é um escândalo. E mesmo ao acreditar que este ou aquele interveniente no "caso", designadamente a Comunicação Social, exagerou na forma como levantou a questão, não restam dúvidas de que o caso da pedofilia em Portugal... é um escândalo. E de tal forma é grave que já se interrogam muitos sobre se há mesmo Justiça em Portugal. Uma pergunta que encerra em si... críticas de quanto baste até ao Poder Político.

No princípio... falava-se em "gente do Poder" que estaria implicada. E mesmo que essa gente do poder... não seja mais do que terceiras ou quartas figuras, há já um dado que ninguém pode esquecer. É que o povo vai dizendo, à mesa do café, um pouco por todo o mundo... que "tudo vai ficar na mesma". Que "a Justição só faz que anda..." Que os "grandes" são grandes até nas defesas que têm.

O que, bem explicado, significa que as pessoas da rua - as que sofrem na carne os erros dos políticos, em quem, às vezes, até votam - não acreditam nos que mandam no país. Descrêem nas instâncias superiores. Pensam entender que... é um "salve-se quem puder" pegado e que todos se defendem uns aos outros...

E se assim fosse? Se fosse mesmo verdade?

Este problema da credibilidade dos poderes públicos começa a pesar no dia-a-dia de um País como Portugal. De outros países, também, naturalmente. Ainda há bem pouco tempo, no Canadá - rico e poderoso, defensor dos direitos humanos e activo na feitura da democracia - surgiram problemas idênticos, também em orfanatos dirigidos até por religiosos. E o povo, também no Canadá, acreditou (e acredita) que os culpados serão julgados e punidos. E essa será, se assim o quisermos entender... a diferença. Porque Portugal, neste como em muitos casos, ainda parece não acreditar que a Justiça vai actuar.

E mesmo que agora já se não fale tanto na tal rede de pedofilia, ligada à Casa Pia - e à Casa do Gaiato, do "Pai" Américo, imaginem! - a "gente do Poder" continua a ser o "bode expiatório" que importa criticar.

Os Jornalistas cumpriram a sua obrigação? - Cremos bem que sim. Talvez tenham pecado, tão sómente, por o terem feito tão tarde. Sim, porque se o caso já tinha sido entregue à Justiça, se houve um ou outro inquérito, é de supôr que o tema já tivesse estado, ainda que por simples suspeita, nas bancas dos Jornais. Se então ninguém lhe pegou, se o tema não teve a força que muitos lhe estão a dar agora, talvez que "por omissão" se tenham de criticar, igualmente, alguns Jornalistas.

Manda a verdade que se diga, então, que o público, aí, é igualmente culpado. O "público fera" que nós somos... quer é que as Rádios e as Televisões, os Jornais e as Revistas, chafurdem em determinada "lama", se imiscuam em tudo o que é "porcaria", se possível com bastas doses de sangue e de ódio. Sim... quer. E todos nós sabemos isso. O público precisa da sua "dose de sangue e de desamor". Talvez para, à noite, ao rezar a Deus, antes de se deitar... pedir a Paz para o Mundo, mais Amor entre os homens, menos crimes contra as crianças...

Há justiça? - Ainda acreditamos. E se a Justiça ainda existe, se ela não está dormente, vamos todos fazer votos por que actue.

Acreditemos que vai actuar. E vamos todos, na melhor paz e harmonia, discutir outros problemas e combater outros pontos. Problemas e pontos que nascem como cogumelos, no nosso dia-a-dia. Problemas e pontos que enxameiam também o nosso mundo.

Acreditamos que a manifestação recente de alguns alunos da Casa Pia seja pura e genuina. Se o for, teremos, igualmente, na síntese da sua luta. Não deixem que o problema (da pedofilia e sua condenação)... morra. Mas não matem... a Casa Pia, enquanto organismo de real valia para a sociedade.

Fernando Cruz Gomes
      Orlando CastroOrlando Castro

Em águas (putrefactas) de bacalhau

No último Editorial do Notícias Lusófonas (com o título «Feios, porcos e maus») , António Ribeiro diz que é «assim que nós, portugueses, vamos ficar para a História se não for convenientemente investigado e esclarecido o caso de pedofilia que envolve a Casa Pia de Lisboa e exemplarmente punidos todos os que nele participaram e também aqueles que, por negligência ou omissão, permitiram a continuação de tais práticas durante mais de duas décadas.»
Não posso estar mais de acordo. E, pelos vistos, todos estão de acordo, até mesmo aqueles que em tempo útil deveriam ter feito alguma para evitar tão monumental escândalo. A desvergonha «made in Portugal» não tem limites.
Aliás, a sondagem que sobre o assunto está a ser feita no Notícias Lusófonas é, igualmente, esclarecedora: 88% dizem que não vai haver justiça neste caso de pedofilia da Casa Pia. Também votei e acredito que não vai haver justiça. E não vai porque, para além dos políticos (e similares: polícias, tribunais, jornalistas etc.) serem feios, porcos e maus são, ainda, cobardes. São os desse tempo por calarem e são os de hoje por estarem voluntariamente amarrados.
Quem matou Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa, Ferreira Torres etc. etc.? Ninguém, em termos de justiça. Todos nós, em termos morais. Sermos feios, porcos e maus parece algo que está no sangue, salvo algumas (muito poucas) excepções. Tão poucas que até os Jornalistas que agora falam do assunto vão, como o foram os que no início da década de 80 avançaram, ficar calados. E esse silêncio será recompensado. É só uma questão de tempo. Não tardará muito e estarão como directores ou administradores de um qualquer órgão da comunicação social.
Os Jornalistas mais teimosos poderão, a todo o momento, entrar para a lista de dispensáveis... pelos altos serviços prestados.

Deixem-me, também por comodismo mas sobretudo por estar de pleno acordo, continuar a citar o brilhante texto do António Ribeiro. «O que aqui está em causa não se pode compadecer com os proverbiais brandos costumes portugueses nem com o velho hábito de deixar tudo nas meias tintas. O que aqui está em causa são crimes praticados contra crianças indefesas - antes de mais por serem crianças e depois por serem crianças provenientes de lares pobres ou pura e simplesmente de lares nenhuns - que tinham como único suporte instituições para as acolher, educar e preparar para o futuro.»
É exactamente isso. E por ser isso é que, mais uma vez, ninguém se lembra de ter ouvido falar em tal crime. Presidentes da República, ministros, secretários de Estado, deputados, procuradores gerais da República, magistrados, polícias etc. foram todos atingidos por uma conveniente amnésia
Tão conveniente que, creio, até poderá um dia destes dar direito a uma comenda pelos altos serviços prestados à Nação...

Diz o António Ribeiro (num texto que, permitam-me a opinião, é uma verdadeira obra prima) que «são crimes hediondos praticados por adultos que, acoitados na impunidade do poder e na conivência dos silêncios comprados, praticaram sevícias que mutilaram física e psiquicamente centenas de crianças e as marcaram para o resto das suas vidas. Aquelas que não se mataram. De nojo. De medo. De desespero.»

É isso mesmo. Crimes hediondos, impunidade, silêncios comprados e mutilação física e psicológica.
Convenhamos, contudo, que os silêncios continuam a ser comprados para encobrir esses crimes hediondos. Tal como foram outros, tal como serão outros. Portugal começa a deixar de ser um país (Nação há muito que o deixou de ser) para passar a ser, apenas e tão só, um lugar muito mal frequentado.
Na minha opinião este é mais um caso que vai ficar, que já está, em águas de bacalhau. Pelo cheiro, a água já está putrefacta. Mas, apesar disso, há sempre alguns (ao que parece são muitos) para quem chafurdar na merda é uma questão de vida.

Orlando Castro



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Comentários

Tema difícil de abordar, este, no âmbito deste espaço de lusofonia. Primeiro porque foi despoletado a partir de um caso com expressão local, de um País, Portugal. Será que ecoou pelos outros espaços da lusofonia? Como foi sentido fora deste cantinho?
Mas difícil porque a sua complexidade extravasa o nosso país ou os países da língua portuguesa e encontra semelhanças pelo mundo anglofono e não só, pois ainda mal se extinguiram os ecos do sucedido na Bélgica, por exemplo. Seria pontual, circunscrito, dir-se-ia, quando vieram para a imprensa os casos reportados na Madeira. E que dizer dos hábitos e costumes de uma certa população europeia que procura na pobreza da Tailândia ou das Filipinas campo fértil para alimentar as redes de que falamos hoje? Tudo isto a população da aldeia global parece ter tolerado como excentricidade, como subproduto relegado para uma certa marginalidade, apesar de tudo tolerada. Afinal, descoberto que foi este submundo no nosso quintal, revelado que foi todo o processo kafquiano de ocultação e amordaçamento das praticas e das suas vitimas, de desqualificação e descredibilizaçao dos protagonistas porque menores, indefesos na marginalidade da sua desintegração familiar, acordamos bem despertos, adivinhamos os contornos do muito que ainda esta por contar, olhamos para o rosto da justiça, cego pela venda nos olhos e perguntamos: e agora senhora, que faremos nos? haverá justiça?

José M.Freire da Silva - Lisboa, Portugal


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